Foto: Nelson Almeida/ AFP

Não faz muito tempo, as redes sociais foram tomadas por protestos contra a chegada em massa de venezuelanos, muitos alimentados pelo impacto da nova realidade, que foi do estranhamento ao ódio aos estrangeiros; outros realmente preocupados com o repentino inchaço populacional principalmente em Boa Vista, com visível surgimento de moradores de rua, pedintes em porta de supermercado, semáforos e praças. Como se tratava de algo inesperado, as reações políticas logo surgiram.

A prefeita Teresa Surita (MDB) e seu eterno mentor e mestre, o então senador Romero Jucá (MDB), logo se apressaram para anunciar o “aluguel solidário” para os venezuelanos e trataram de incluir vários os imigrantes no Bolsa Família. O protesto raivoso de muitos internautas fez esses políticos recuarem com o aluguel. Até Jucá rapidinho propôs fechar a fronteira, como forma de agradar a opinião dos contras, naquele momento.

Como tudo ainda era confuso, o então senador decidiu recuar, dizendo que teria sido mal interpretado quando propôs fechar a fronteira. Na sua nova versão, afirmou que o “fechar” significaria impôr regras e ordem na fronteira. Como líder do governo Michel Temer (MDB), na época, nada mais fez senão jogo de cena, a ponto de deixar a liderança do governo, que já estava moribundo mesmo e alcançava níveis vergonhosos de impopularidade. Jucá não se reelegeu e se perdeu no seu mundo político de engabelar a opinião pública.

Quando todos menos esperavam, a fronteira com a Venezuela foi fechada, depois que os Estados Unidos, com ajuda do novo governo brasileiro, comandado por Jair Bolsonaro (PSL), tentaram uma cartada para desestabilizar o presidente venezuelano Nicolás Maduro enviando alimentos como forma de ajuda humanitária. Nicolás mantém a fronteira fechada, mostrando um lado da moeda que muitos não imaginavam existir.

Hoje, até mesmo aqueles moradores do Município de Pacaraima, que agrediram venezuelanos que moravam na rua, os enxotandode volta ao seu país, pedem que a fronteira seja reaberta, pois eles não tinham noção de que aquela população fronteiriça é totalmente dependente da Venezuela, seja porque elesabasteciam seus veículos do outro lado da fronteira a um preço irrisório, seja porque os venezuelanos mantinham o aquecimento do comércio, ou porque há uma forte ligação entre as duas cidades fronteiriças.

Até o senador Telmário Mota (PTB), que antes bradava a todo pulmão o fechamento da fronteira, em crítica a Jucá, fez sua jogada ao ir até a Venezuela e posar na foto ao lado de Maduro, pedindo que a fronteira seja reaberta. Para quem tinha como marketing distribuir melancia ao povo, ir até a Venezuela até pareceu um avanço, mas a verdade é que não passa apenas de mais um oportunismo político, uma vez que Maduro já havia mostrado a intenção de rever seus posicionamentos, inclusive aceitou a ajuda da Cruz Vermelha ao povo venezuelano faminto e doente.

O que podemos tirar de conclusão disso tudo é que o ódio de ontem pode ser o castigo de hoje. E que o oportunismo sempre irá fazer os políticos mudarem de opinião, na maior desfaçatez, esperando a fraca memória do manipulável eleitor. Aprendemos também que os ataques aos imigrantes a favor do fechamento da fronteira, sem analisar todas as consequências, só serviram para pregar confusão e rancor. Afinal, mesmo com a fronteira fechada, os imigrantes continuam chegando, desta vez por caminhos clandestinos, o que significa mais possibilidades de eles entrarem sem critérios, driblando a triagem mínima.

O que esperamos, como cidadãos preocupados com o nosso futuro, é que os governos brasileiros, em todas as instâncias, estejam aproveitando a fronteira fechada para se organizarem a fim de estruturar e melhorar a triagem em Pacaraima. Não haverá outra oportunidade melhor para colocar ordem na fronteira. Não podemos mais ficar na politicagem de quem só busca promoção, sem agir para atacar os problemas de frente.

Só para mostrar a imobilidade dos políticos, não se vê ninguém preocupado em capitalizar esse inchaço populacional para conseguir mais recursos federais, por meio de repasse do Fundo de Participação dos Estados (FPE) e do Fundo de Participação dos Municípios (FPM). É uma pauta aberta para os políticos se debruçarem, mas o jogo de cena sempre prevaleceu porque pensar em saídas para os problemas requer empenho e muito trabalho, algo que os políticos evitam.

*Colunista, idealizador do sitewww.roraimadefato.com.br

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