Foto: arquivo - Avenor Prado/ Folhapress

 

Quem nasceu e se criou em Roraima está presenciando um momento que irá ficar marcado para sempre na vida dos roraimenses e de gerações futuras: a imigração em massa de venezuelanos, muitos dos quais não irão mais embora e irão se integrar à realidade local de alguma forma, fundindo culturas e visão de mundo. É algo sem volta e os brasileiros que aqui vivem terão que se habituar, daqui para frente, a conviver com esta nova e dura realidade.

Aprender a conviver não significa aceitar a violência, a miséria e a exclusão social a que esses “novos pobres” estão submetidos. Também não é esconder os fatos que essa imigração desordenada provoca, em especial a onda de violência resultante desse tempo sombrio que estamos vivenciando. É necessário expor as verdades à luz dos acontecimentos para que elas incomodem mesmo e coloquem autoridades e a sociedade organizada a pensarem soluções imediatas para as graves crises.

Já passamos por uma situação semelhante nas décadas de 1980, quando o governo local trouxe centenas de migrantes nordestinos, em especial do Maranhão, na tentativa mais de criar currais eleitorais do que mesmo abrir novas fronteiras de desenvolvimento; e 1990, quando estourou a corrida pelo ouro, momento em que milhares de nordestinos outra vez largaram tudo em suas cidades natais para tentar o sonho de ficar rico nos garimpos roraimenses. Foram milhares de pessoas pobres e analfabetas que chegaram para ficar.

Era um momento difícil, porque Boa Vista resumia-se à área central e o Estado uma imensa porção de terra a desbravar, dependente exclusivamente do Governo Federal por ainda ser Território, e não havia qualquer opção de emprego e geração de renda. Os nordestinos passaram a ser tratados no estranhamento de todos os tipos, do preconceito à discriminação, acusados de todos os tipos de desgraças que acometiam o povo local daqueles períodos: miséria, invasões na periferia, gente pedindo, inclusive crianças, avanço da criminalidade. E viravam motivo de chacotas (naquele tempo não havia memes).

Anos se passaram e os nordestinos, em especial os maranhenses, se integraram à cultura e à economia locais, tornando-se decisivos para o que conquistamos hoje. Em seguida, com o fim do garimpo e a necessidade de se proteger as populações indígenas, que mais sofreram com o garimpo e com a chegada de novos migrantes, elas se tornaram o novo alvo do preconceito, da discriminação e do racismo. Diziam-se coisas absurdas sobre os índios, inclusive com músicas racistas e discriminatórias tocadas em trios no Carnaval.

Hoje são os venezuelanos que estão enfrentando toda essa carga do estranhamento e de repulsa, especialmente devido à ação de marginais que atravessam a fronteira para cometer crimes por aqui. Ou do oportunismo provocado pela realidade miserável que eles vivem. Desta vez, é inconcebível pensar que se deve deixar o tempo e os fatos curarem tudo, sem que haja uma mobilização da sociedade organizada e principalmente do Governo Federal, que até hoje mostra-se desinteressado em assumir todas as suas responsabilidades.

Mas um fato é certo: não iremos encarar isso escondendo os números e dados, a exemplo de como querem alguns, que demonizam a imprensa que divulga estatística da criminalidade praticada pelos imigrantes, acusando essas publicações de “xenofobia” ou “incentivo à discriminação”. Absolutamente não. Também não podemos aceitar que se generalize os fatos, aí, sim, um caminho perigoso para se criar um sentimento de ódio aos estrangeiros de uma forma geral.

Não podemos perder esse foco de olhar o passado de Roraima e contextualizar com o presente. Já superamos situações absurdas contra migrantes nordestinos e índios, e não podemos perder nossa capacidade de analisar e agir de forma lúcida. O ódio só irá piorar o que já é caótico. O roraimense tem provado diariamente seu espírito acolhedor, por isso é injusto que uma novela da Globo acuse o povo local de ser xenófobo. Não só é uma injustiça como acirra os ânimos de quem está no limite de uma realidade degradante.

A verdade é que há um sentimento coletivo de que é necessário mais ação do Governo Feral. Roraima não pode pagar, sozinho, o ônus de receber milhares de venezuelanos desesperados mensalmente, diante de realidade que vive: o Estado mais pobre da Federação e que sofre as mais duras políticas de abandono por parte do Governo Federal historicamente desde quando era Território.

Se o Governo Federal não agir além dessa “Operação Acolhida”, algo sério poderá ocorrer por aqui. Porque nem todos acham que tudo pode virar memes na internet. Porque não são todos com ânimo e capacidade de enxergar com um olhar analítico o que está acontecendo. Roraima, definitivamente, é uma bomba em contagem regressiva.

*Colunista, idealizador do site www.roraimadefato.com.br

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