Três notícias divulgadas pela imprensa, nesses últimos dias, refletem a imobilidade de nossos governantes e políticos de uma forma geral com os assuntos mais urgentes do Estado no que se refere à questão fundiária e ao patrimônio cultural. Uma delas é a possível desapropriação de mil famílias que moram no bairro Paraviana, na zona Norte da Capital, situação que se arrasta desde 1997.

Outra trata da ação do Ministério Público de Roraima (MPRR) que pede judicialmente a proibição da fraude da venda de lotes pela Federação das Associações dos Moradores do Estado de Roraima (Famer), um fato que se arrasta há anos. E, por último, a decisão judicial, a pedido do MPRR, que determina que a Prefeitura proteja o patrimônio histórico e cultural de Boa Vista para que não sofra alterações.

As duas primeiras notícias dizem respeito à regularização fundiária, um assunto negligenciado tanto pela Prefeitura de Boa Vista quanto pelo Governo do Estado. Na questão do bairro Paraviana, são duas décadas de omissão por parte das autoridades em todas as esferas, problema este que vem sendo esquecido, desde quando a União começou a reivindicar a posse por meio da então Base Aérea de Boa Vista.

Na Câmara de Vereadores, poucos levantaram a voz e o único que realmente entende do assunto, mostrando seu profundo conhecimento sobre as leis e a questão imobiliária, o então vereador Otoniel Ferreira, sequer conseguiu mais ser reeleito, o que mostra que o eleitor também tem sua culpa ao não ter reconhecido o trabalho desta pessoa. Hoje, pouco ou nada se ouve por parte daquela Casa parlamentar a respeito de regularização fundiária.

Embora sejam assuntos diferentes, o golpe aplicado pela Famer tem tudo a ver com o assunto do Paraviana, pois tratam-se da indefinição fundiária urbana e rural que afeta a vida de todo mundo. Como todos fazem vistas grossas, qualquer um sente-se livre para aplicar golpes e incentivar invasões, que é a chamada “indústria da invasão”, a exemplo do que vem ocorrendo há muito tempo na Capital e nas cidades do interior. Como tem gente de colarinho se beneficiando disso, ninguém mostra interesse em mexer no vespeiro.

Boa Vista vem crescendo, desde a década de 1980, sob a bandeira da invasão de terras, uma ação bem explorada por alguns, a ponto de ter colocado nos legislativos municipal e estadual invasores de carteirinha, como foi o caso do controverso Chico Doido, já falecido, que chegou inclusive a ser entrevistado pelo maior talk show televisivo da época, o Jô Soares, no final da década de 1990. O caso do Paraviana é apenas mais, que estourou agora com o pedido de reintegração de posse.

Como o poder público muitas vezes age nesse grande vácuo alimentado pela política de grupos, a questão do patrimônio histórico e cultural também entra na desordem. Somente depois de a atual administração agir de todas as formas, atropelando as leis e o bom senso, a Justiça decidiu atender a uma ação do Ministério Público e proibiu que a Prefeitura faça qualquer alteração no patrimônio público.

Porém, os estragos já estavam feitos, tanto no berço histórico de Boa Vista, lá onde foi construída a Orla Taumanan, quanto em outros prédios tombados, mas que foram não apenas descaracterizados como demolidos. O caso da Orla é emblemático, pois exatamente onde foi erguida a plataforma baixa existia o Porto do Cimento, por onde começou a ocupação de Boa Vista, ponto histórico de tal magnitude que foi devorado por uma política descompromissada com os interesses do Estado.

Esse é o resumo de como a politicalha prejudica não só a vida das pessoas, de forma direta, como a desapropriação e o golpe de venda de lotes, bem como apaga a memória de um povo, a exemplo do que foi feito na Orla Taumanan. Se a população fica cega com ações imediatistas e não prioritárias, é óbvio que os políticos vão deixar de lado decisões importantes, como a questão fundiária e a defesa do patrimônio histórico. E um dia a conta chega, até mesmo para aqueles que acham que política não se discute…

*Colunista, idealizador do site www.roraimadefato.com.br

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