Empresa Sanepav é alvo de denúncia em dossiê entregue às autoridades no ano passado (Foto: Divulgação/Sanepav)

Embora as suspeitas sobre valores pagos pela Prefeitura de Boa Vista para a Sanepav Saneamento Ambiental Ltda, destinados aos salários dos garis, tenham vindo à tona somente agora, denúncias sobre possíveis irregularidades são antigas e já foram parar até no Senado Federal, no ano passado, mas o caso caiu no esquecimento. Agora, com novas evidências, o fato requer atenção por parte do Ministério Público, Câmara de Vereadores e órgãos fiscalizadores.

Desde o ano passado, existe um dossiê com cerca de 500 páginas que reúne fortes indícios de irregularidades e suposto cometimento de crimes pela Prefeitura de Boa Vista em uma contratação milionária que ultrapassa os R$100 milhões somente nos três anos da administração da prefeita Teresa Surita (MDB). A Sanepav vem sendo recontratada ao longo das cinco gestões da prefeita. Com todos os aditivos, o contrato pode passar dos R$308 milhões só até a data do surgimento do dossiê, no fim do ano retrasado.

As cifras podem ser muito maiores do que indicam os documentos, pois a Prefeitura também mantém contratos milionários com outra empresa que pertence ao mesmo dono da Sanepav, a Beta Clean & Service Ltda. No caso da Sanepav, ela vem sendo contratada para realizar amplos serviços que vão de limpeza urbana a comunidades indígenas, passando por coleta de lixo domiciliares, operação no aterro municipal, o qual virou um lixão a céu aberto, e até coleta fluvial.

A denúncia sobre o caso Sanepav chegou a ser lida pelo senador Telmário Mota (PTB), no plenário do Senado Federal, em agosto de 2018, quando ele apontou os indícios de processos sem licitação e procedimentos licitatórios supostamente irregulares abertos para favorecer a Sanepav. Além disso, o parlamentar afirmou que não haveria como comprovar que a empresa vem realizando ou não serviços a exemplo de coleta de materiais recicláveis e fluvial.

Doação para campanha da Teresa e licitação sob suspeita

Um dos pontos destacados no dossiê é que a Sanepav fez doação de campanha eleitoral nas eleições de 2014 para o mesmo partido da prefeita, o MDB, cujo diretório nacional da sigla fez o repasse da doação para o diretório regional em Roraima. Este fato indica uma forte ligação da prefeita com o proprietário das empresas denunciadas.

Conforme o dossiê, as suspeitas indicam que houve uma lentidão mais que o normal para se criar uma situação emergencial a fim de contratar a empresa sem licitação, ainda que Teresa Surita tenha começado um processo de transição com o então prefeito Iradilson Sampaio, em outubro de 2012, assim que foi eleita, com a finalidade de levantar dados para montar seu plano de governo.

Os indícios já começaram no Aviso de Licitação, com um certame realizado por meio da modalidade concorrência, procedimento este com mais fases e amplas possibilidades de recursos que outros processos. Após impedir que qualquer pessoa tivesse acesso ao edital, cobrando uma taxa, a Prefeitura suspendeu a licitação depois que os interessados começaram a perceber restrições de competitividade e imposições de cláusulas restritivas que possibilitariam pedidos de impugnações ao edital.

Começava aí uma nítida movimentação para direcionar a contratação para a Sanepav, conforme frisa o dossiê. “Com isso, uma das duas intenções são cristalinas: ou tentou restringir o acesso ao edital a possíveis licitantes que não era de interesse da nova administração, ou já realizou a previsão de cobrança para sofrer impugnações e retardar o certame, fabricando assim a situação emergencial”, diz um trecho do documento ao ressaltar que, como não foi possível ter acesso aos autos do processo, não se soube quais foram os itens impugnados.

Como mais falhas continuaram ocorrendo ao longo da tramitação do processo, novos pedidos de impugnação foram surgindo, numa maratona de modificações que geraram grandes atrasos. Conforme a denúncia, possivelmente o certame foi sendo retardado para que a Sanepav providenciasse sua estrutura física para prestar o serviço, pois ela não detinha até aquele momento a capacidade operacional para realizar os trabalhos contratados.

Julgamento das propostas ocorreu sem publicidade

O dossiê sobre o Caso Sanepav apresenta farta documentação que comprovaria ainda que não houve publicidade sobre o dia em que ocorreu a sessão pública de julgamento das propostas das empresas habilitadas para a licitação, ocorrendo apenas a divulgação em Diário Oficial do Município, sem qualquer aviso prévio. Nessa sessão foram julgadas as propostas técnicas e de preço das empresas habilitadas: Revita Engenharia S.A. e Sanepav, esta última aclamada como a vencedora.

Uma irregularidade apontada no documento é que a homologação e adjudicação foram publicadas no Diário Oficial de 18 de junho de 2013, porém com data de assinatura do dia anterior, 17 de junho, infligindo a Lei 8.666/93, chamada de Lei das Licitações, desrespeitando o prazo para interposição de recursos para o julgamento das propostas. “A única possibilidade viável seria a desistência em sessão do interesse de recorrer da empresa Litucera Limpeza e Engenharia Ltda, em razão da inabilitação, e da Revita Engenharia S.A., em relação à proposta vencedora da Sanepav”, afirma a denúncia.

Só que nenhuma delas recorreu, mesmo estando em jogo um contrato de R$97, 3 milhões em um volumoso processo que dava margens para outros recursos. A Litucera tem capital declarado de R$120 milhões, sediada também em São Paulo, assim como a Revita. O dossiê afirma que, mesmo sendo uma “gigante e milionária”, ela não recorreu, o que evidenciaria que ela apenas veio dar cobertura para a Sanepav.

Outro dado que chama a atenção é que, um dia após a homologação do certame, em 09 de outubro de 2014, a Prefeitura se apressou para que o processo tramitasse em tempo recorde entre várias secretarias, agilizando emissão de empenho, minuta contratual e assinatura pelos representantes da empresa. “Neste ponto, em relação às fugiras dessa denúncia, não pode ser ressaltado uma eficiência administrativa, mas sim um favorecimento na celeridade processual”, assinala o dossiê.

Aditivos que inflaram valor também apresentam suspeitas

Outra possível irregularidade apontada nos documentos diz respeito aos aditivos concedidos ao contrato da Sanepav. O quinto aditivo, por exemplo, foi publicado no Diário Oficial do Município de 11 de janeiro de 2017, mesmo que sua assinatura tivesse ocorrido em 07 de dezembro de 2016, ou seja, um mês depois.

Esse aditivo concedeu dois reajustes contratuais sobre valores já desembolsados, repetindo possíveis irregularidades já apontadas em aditivos anteriores por não respeitarem o índice da época. O reajuste da época foi de 4,10%, com início em junho de 2015, totalizando três reajustes em menos de sete meses de contrato, dentro de um período eleitoral.

Com todos os aditivos, as cifras ultrapassam os R$100 milhões iniciais. “Somente em relação à Senepav, podemos estar diante de um esquema de corrupção que pode atingir a marca dos R$308.286.77, quando considerados todos os aditivos contratuais e seus efeitos”, afirma o dossiê.

Com toda ciranda de seguidas prorrogações de prazo, o documento aponta mais uma irregularidade no contrato de número 0101/2013-PGM, derivado do processo de número 0008/2013-SMGA. Com as prorrogações, o contrato no valor de R$76,3 milhões teria vigência até 18 de junho de 2017, que poderia ser aditivado por mais 12 meses, até 18 de junho de 2018, com o valor mensal de cerca de R$4 milhões. Porém, nos quatro anos de contrato, houve um aumento de 44,31% em relação ao contrato inicial, ficando o valor mensal em R$5,8 milhões pagos à Sanepav.

Sanepav e Beta Clean têm sede no mesmo enderenço em São Paulo

O dossiê aponta que a Sanepav e a Beta Clean, que pertencem ao mesmo dono, Armando Sebastião Rodrigues Theodoro, só tiveram contratos com a Prefeitura a partir da gestão da prefeita Teresa Surita. “No caso da Beta Clean, também existem contratos com possíveis erros procedimentais e sem licitação que merecem a análise devido às possíveis irregularidades”, diz trecho da denúncia. Em um levantamento realizado de 2013 a 2017, a Beta Clean recebeu mais de R$5,7 milhões de contratos com a Prefeitura de Boa Vista, sendo R$22,3 milhões somente no ano passado.

Além de Armando Theodoro ser sócio-administrador nas duas empresas, ambas estão com suas sedes instaladas no mesmo endereço em um condomínio industrial de luxo denominado Alphavile, em São Paulo, na Alameda Rio Negro, 161, e no mesmo andar, inclusive atendendo no mesmo número de telefone.

Também há documentos anexados ao dossiê que indicam que o secretário municipal de gestão ambiental e assuntos indígenas (SMGA), Daniel Pedro Rios Peixoto, realizou uma reunião neste endereço, do dia 29 de novembro a 02 de dezembro de 2016, data anterior ao processo licitatório da Sanepav, alvo principal da denúncia relatada no dossiê.

Conforme o dossiê, esta seria a ligação da Prefeitura com as empresas de Theodoro para supostamente direcionar o certame. A comprovação dessa ida à sede das empresas pode ser constatada por meio de diárias pagas ao secretário pela Prefeitura, publicadas no Diário Oficial daquele mês, sob número 4307, segundo consta em anexo no dossiê.

Agora é com os órgãos fiscalizadores

O “dossiê Sanepav” já circula desde o início do ano passado e, conforme fontes, foi entregue para o Ministério Público e outras autoridades, a fim de que pudessem investigar os fatos apontados na farta documentação. Com a denúncia de que a Prefeitura paga dez vez mais, para a Sanepav, o valor do salário que os garis recebem, então o momento é bem oportuno. Agora, com a palavra, os órgãos fiscalizadores.

*Colunista, idealizador do site www.roraimadefato.com.br

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