Gabinete de Gerenciamento de Crise COVID-19 do Ministério Público age como se fosse o Executivo, no Hospital de Campanha (Foto: Divulgação)

Um dos fatos mais relevantes surgidos diante da discussão sobre o papel das autoridades e instituições no combate ao coronavírus foi a fala do juiz federal Helder Girão Barreto na audiência pública virtual realizada pela Assembleia Legislativa de Roraima (ALE-RR), na quarta-feira. O magistrado disse que o Ministério Público de Roraima (MPRR) estaria usurpando o papel do Executivo no combate à pandemia, “ao querer administrar ou governar o Estado”.

Girão referiu-se a ato do MPRR de querer ser o protagonista na instalação do Hospital de Campanha, que é o nome popular da Área de Proteção e Cuidados (APC) instalado pelo Exército com apoio do Governo do Estado e Prefeitura de Boa Vista. O Ministério Público chegou a divulgar um vídeo institucional no qual afirma ser o “mantenedor da Área de Proteção e Cuidados”.

O juiz Helder Girão elogiou a postura do presidente do Tribunal de Justiça de Roraima (TJ-RR), desembargador Mozarildo Cavalcanti, que decidiu abrir mão de verbas do Poder Judiciário para que o Estado possa ter mais recursos para enfrentar a Covid-19. E exortou o Ministério Público a fazer o mesmo, já que esse órgão ministerial tem R$37,3 milhões em caixa, recurso este oriundo do Fundo Especial, saldo financeiro que é alimentado com recursos não utilizados em anos anteriores.

Ou seja, o MP tem recursos sobrando, pelo que está exposto, que não estão sendo utilizados para exercer sua principal função que é fiscalizar e defender os interesses coletivos da sociedade, incluindo aí a saúde pública. Significa que o órgão ministerial não vinha (ou não vem) fiscalizando as ações do atendimento básico nos postos de saúde da Capital e muito menos do interior.

Essa ausência de fiscalização permitiu a crônica deficiência no atendimento realizado pelos postos de saúde, que por sua vez permitiu a doença avançar em Roraima, já que o atendimento básico sempre foi precário, como se essas unidades municipais fossem apenas locais apenas para fazer curativo e marcar exames para enviar pacientes para o Hospital Coronel Mota. Isso foi bem esclarecido em artigos anteriores. Veja o principal deles clicando aqui.

A Prefeitura de Boa Vista, que abriga 60% da população roraimense, não adotou ações emergenciais desde o início da pandemia para atender pacientes que procuram as Unidades Básicas de Saúde (UBS), a fim de evitar que a doença agravasse e assim evitar também que esses pacientes chegassem em estado crítico no Hospital Geral de Roraima (HGR), como está ocorrendo agora.

Os gestores do MP, que montaram o Gabinete de Gerenciamento de Crise Covid-19, passaram a agir de forma isolada e autônoma, como se fosse um órgão executivo, fazendo as vezes do Governo do Estado. Com esse ato, acabaram por encobrir suas responsabilidades por terem sido omissos na fiscalização à Prefeitura de Boa Vista, especialmente na atuação no atendimento básico, que sempre tem passado ao largo das cobranças do órgão ministerial nesses tempos atuais.

A Prefeitura negligenciou o atendimento básico desde o início da pandemia e ficou por isso mesmo, com a prefeita Teresa Surita (MDB) também tentando disfarçar que a grande responsabilidade para conter a pandemia não era com ela, dando início a uma disputa política com o Governo do Estado, em um vergonho jogo de cena.

Os deputados estaduais já falam da necessidade de remanejar recursos do orçamento do MP para que o Executivo possa investir mais na saúde pública. De fato, é um absurdo que um órgão tenha sobra de R$37,3 milhões em caixa e, agora, tenta fazer frente com ações que fogem ao seu papel constitucional.

Já existe um consenso, que saiu da fala dos presentes na audiência pública de quarta-feira, de que é necessário esforço em conjunto das autoridades em todos os níveis para enfrentar a pandemia. Como a Prefeitura de Boa Vista e o próprio MP não participaram nem indicaram representantes, é possível analisar que há algo muito errado nisso, especialmente porque as UBS foram tratadas sem a importância que elas têm no combate ao coronavírus e sequer foram fiscalizadas como deveriam para que fossem equipadas e adotassem um protocolo para atender pacientes.

É importante destacar que o Gabinete Covid-19 do Ministério Público teve atuações importantes, como a reversão de recursos de acordos extrajudicias para o combate à doença. Mas tudo isso deveria ter sido feito em conjunto com o Governo do Estado e Prefeitura de Boa Vista, a fim de discutir prioridades na destinação desses recursos. Mas, assim como tem feito a Prefeitura, o MP se isolou desses entendimentos e passou agir como se fosse o próprio Estado. Desta forma, acabou por excluir os postos de saúde de seu papel imprescindível para conter a doença desde o início.

Mas é alentador saber que existam autoridades conscientes do que está ocorrendo, a exemplo da fala do juiz Helder Girão. A sociedade não pode baixar a guarda neste momento. É necessário chamar todos à responsabilidade. É a vida das pessoas que está em jogo. Não podemos admitir que essa politicagem custe um preço alto para a população. Quem não desceu de seu pedestal e do palanque eleitoral ou não cumpriu com o seu papel precisa ser responsabilizado. 

*Colunista

Deixe seu comentário

Please enter your comment!
Please enter your name here