Foto: Arquivo/Victor Moriyama/ISA

A epidemia de Covid-19 continua avançando entre os indígenas e já atinge 147 povos no Brasil. O plenário do Supremo Tribunal Federal (STF) irá julgar nesta segunda-feira (3) a liminar concedida no início de julho pelo juiz Luís Roberto Barroso, que determinou ao governo federal garantir o atendimento de indígenas que estejam em áreas demarcadas ou não.

A epidemia de Covid-19 continua avançando entre os indígenas e já atinge 147 povos no Brasil. O plenário do Supremo Tribunal Federal (STF) irá julgar nesta segunda-feira (3) a liminar concedida no início de julho pelo juiz Luís Roberto Barroso, que determinou ao governo federal garantir o atendimento de indígenas que estejam em áreas demarcadas ou não.

A tragédia da Covid-19 se agrava diariamente com a omissão do governo de Jair Bolsonaro. Segundo o balanço online da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib), até o domingo, 2 de agosto, 21.646 indígenas foram infectados pelo novo coronavírus e 620 morreram em decorrência da doença. Os casos suspeitos atingem 884 nativos. Mas tanto Bolsonaro quanto os militares que formam a cúpula do governo, incluindo o general Eduardo Pazuello, interino na pasta da Saúde, continuam se omitindo na proteção a essas populações vulneráveis.

O julgamento no STF é o primeiro no tribunal após o recesso do Judiciário. A sessão começa às 15h e será transmitida pelas redes sociais do Supremo e da Apib. Para a organização nacional indígena, manter a liminar é fundamental para evitar uma catástrofe maior. A Apib também espera que o STF reveja um dos pontos não atendidos por Barroso: a retirada de invasores de áreas duramente afetadas pela epidemia: as Terras Indígenas (TIs) Karipuna e Uru-Eu-Wau-Wau (RO); Kayapó, Munduruku e Trincheira Bacajá (PA); Araribóia (MA); e Yanomami (AM/RR).

A subnotificação de casos da Covid-19 entre indígenas que não vivem em terras homologadas tem complexificado o enfrentamento da epidemia, diz Yaponã Bone Guajajara, jovem membro da Apib no Maranhão, entrevistado pela RFI. Do total de mortos pela Covid-19 até o momento, a maioria – 335 indígenas – morava fora de terras demarcadas. O governo federal decidiu tratar esses índios como “ruralistas”, relata com indignação Yaponã, o que na prática significa que eles não contam com o atendimento especializado da Secretaria Especial de Saúde Índígena (Sesai).

O Maranhão tem 16 territórios demarcados e uma população de 34.000 indígenas. Desse total, segundo organizações de base que se esforçam para manter a contagem atualizada, pelo menos 3.200 foram contaminados. “Mas muitos indígenas com sintomas da Covid-19 não buscam a unidade básica de saúde do município ou o distrito sanitário especial pelo preconceito que sofrem”, destaca Yaponã. “Falta atendimento adequado e principalmente testes”, explica Yaponã.

Um levantamento feito por uma ONG na Terra Indígena Bacurizinho mostrou, no início de julho, que de 25 indígenas testados, incluindo idosos e gestantes, 14 estavam infectados pelo novo coronavírus. “Ou seja, 64% deram positivo. Já pensou se fizerem em toda a população?”, questiona a jovem liderança indígena.

A insegurança alimentar e a falta de água potável tem tido forte impacto para os povos. “Quando acaba a comida, muitos saem para vender seus artesanatos e acabam se contaminando”, lamenta o Guajajara. Ele também critica a falta de barreiras sanitárias e a invasão constante de terras por grileiros, garimpeiros e madeireiros, que levam a Covid-19 e outras doenças às aldeias.

Infecção mata indígenas de todas as faixas etárias

O vice-coordenador da Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira (Coiab), Mário Nicácio Wapichana, relata que o relacionamento com o poder Executivo e os militares, em postos-chave no Ministério da Saúde, “não tem sido fácil”. Em entrevista à RFI de Boa Vista, ele conta que a situação em seu estado, Roraima, é de “alerta vermelho”.

Depois do desmonte efetuado por Bolsonaro nos organismos de proteção aos indígenas, as lideranças contam apenas com o apoio do Ministério Público Federal, da Fiocruz, cujos funcionários têm desafiado critérios administrativos para ajudar os indígenas, o STF e lideranças no Congresso. “O Executivo e os militares não querem nos ouvir, toda hora dizem que estamos mentindo, que o governo federal está salvando vidas, mas não está, porque nós estamos morrendo”, denuncia Wapichana.

Em quatro meses, de meados de abril ao início de agosto, o vice-coordenador da Coiab viu várias lideranças que lutaram pelos direitos indígenas morrerem em decorrência da Covid-19. Num intervalo de dez dias, em junho, faleceram Dionito Makuxi, ex-coordenador do Conselho Indígena de Roraima e um especialista em saúde; Paulinho Payakan, do povo Kayapó, veterano na luta pela demarcação de terras; e Vovó Bernaldina, mestra na cultura Macuxi, sem falar nos caciques Messías Kokama e Domingos Mahoro (Xavante), no líder Amâncio Munduruku, que teve papel relevante na criação da Associação Indígena Pahihi’p, representante de aldeias do Médio Tapajós.

“Temos uma cultura diferente dos brancos, toda vida – em qualquer idade que for – tem o significado de um espírito que é levado de nosso território, e a gente não está considerando a morte pela Covid como morte natural”, explica o representante da Coiab. “Estamos considerando a tentativa do governo federal de combater os indígenas como um um genocídio mesmo”, afirma. “Faleceram crianças, mulheres, jovens (…) mas no sentido dos mais velhos, que iniciaram a luta do movimento indígena para ter acesso à justiça, à demarcacação de terras e a todo o conhecimento tradicional, nenhuma universidade ou escola que está dentro das comunidades ensina. Então, isso também mexeu com a estrutura social e cultural dos povos indígenas”, destaca Wapichana.

Autogestão por omissão do Estado

Diante da omissão nos cuidados adequados aos indígenas e das operações do Exército que colocam em risco a vida desses povos, a Coiab e a Apib têm procurado avançar com seus próprios meios, arrecadando recursos através de vaquinhas e de doações da sociedade civil. De acordo com a estratégia traçada no plano emergencial de combate à epidemia, essas verbas têm sido usadas na compra de máscaras, material de higiene (sabão, álcool gel), alimentos, concentradores de oxigênio e outros produtos de primeira necessidade. As campanhas de sensibilização nas comunidades, seja pelas redes sociais ou pela radiofonia, muito usada na Amazônia, segue intensa. Mas, apesar desse esforço coletivo, o número de indígenas contaminados não para de aumentar.

“Nós pedimos ao governo federal que faça o teste em todos os indígenas, essa é a nossa principal demanda. Somos 1,050 milhão de indígenas e eu vejo que é importante realizar essa testagem em massa através Sesai, porque só assim saberemos quem está contaminado”, diz Wapichana. A rapidez com que o vírus se espalha nas aldeias assusta as jovens lideranças. “A gente não conhece esse vírus, estou conversando com uma pessoa da família e posso estar colocando a vida dela em risco”, reflete.

O movimento indígena organizado também propõe a instalação, em caráter de urgência, de Unidades de Atenção Primária Indígena (UÁPIs), para fazer a identificação da doença nas comunidades, em vez de transferir os infectados para hospitais nas cidades, onde milhões de pessoas estão em busca de leitos. A Coiab e a Apib reiteram a demanda por alimentos e acesso à água potável, pedidos vetados por Bolsonaro no PL 1142.

Wapichana vê com preocupação as operações organizadas pelos militares a pretexto de levar atendimento às aldeias. “Eles não não conversam, não dialogam com a gente, não pedem orientação e vão entrando nas terras”, como aconteceu na semana passada no povoado Xavante.

Hidroxicloroquina encalhada

Quanto à distribuição de hidroxicloroquina, apesar do risco que esse medicamento representa de acordo com vários estudos científicos, Wapichana confirmou que sua região recebeu 66 mil comprimidos do remédio. “A metade ficou para o distrito de saúde Yanomami e os outros 33 mil comprimidos ficaram para o distrito leste, que atende os povos Wapichana e Macuxi, em outra estrutura da Sesai”, relata.

“Nós ficamos muito preocupados porque os militares nunca atuaram na área de saúde indígena junto conosco, apenas na parte logística, fazendo estradas. E vimos o ministro da Defesa [Fernando Azevedo e Silva] dizer que não havia casos de Covid-19 entre os Yanomamis. Nós repudiamos essa fala”, recorda.

A Coiab tem contado com a orientação de médicos que trabalham há décadas com a saúde indígena para tratar os casos de Covid-19, sem precisar da cloroquina. “Existe uma negação no governo que eles distribuem a cloroquina, mas eles fazem e deixaram tudo lá, não levaram embora”, insiste o vice-coordenador da Coiab.

Campanha

Em 9 de agosto, a Apib e suas organizações de base irão lançar uma mobilização internacional para salvar os indígenas atingidos pela pandemia e por outras violências e violações. A ação, chamada “Maracá – Emergência Indígena”, integra o plano de enfrentamento da pandemia elaborado pela entidade em parceria com cinco organizações regionais, entre elas a Coiab.

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