Poucos eleitores nas sessões eleitorais foram cena corriqueira nestas eleições municipais

O resultado das eleições deste ano serve como reflexão sobre o que queremos da política a partir de agora, uma vez que foi o primeiro pleito depois da onda bolsonarista que varreu o país sob a bandeira da moralidade. E os dados apresentados indicam que houve pouco avanço tanto por parte dos políticos como principalmente dos eleitores.

Em Boa Vista, o que chamou a atenção foi o grande índice de abstenção, que alcançou 72 mil eleitores ausentes, revelando o grande descontentamento do eleitor que decidiu protestar não indo às urnas, lavando as mãos sobre o seu próprio destino na política. Em eleição, quem se abstém acaba beneficiando os políticos de qualquer forma, especialmente os de maior poder aquisitivo.

Na campanha eleitoral deste ano, em Boa Vista, o eleitor não pôde falar de falta de opção, uma vez que havia 11 candidatos na disputa pela Prefeitura, embora a maioria seja o que pode se chamar de “mais do mesmo”, pois estão no poder há muito tempo e já estiveram no mesmo palanque em campanhas anteriores. Porém, havia alternativas de esquerda e de direita também.

Renovação e as surpresas

A Câmara de Vereadores teve a porcentagem mais baixa de renovação dos últimos pleitos, chegando a 65%, como oito reeleições, apesar do eleitor ter passado quatro anos reclamando da atuação da maioria dos vereadores, que fizeram uma legislatura sofrível, com uma rara exceção, que foi o vereador Linoberg (REDE), e que por isso mesmo foi reconhecido nas urnas ao alcançar a terceira posição na disputa pela Prefeitura de Boa Vista, ficando à frente da candidatura que recebeu apoio maciço da máquina do Governo do Estado.

Outra grande surpresa foi a eleição de um gari para a Câmara Municipal de Boa Vista, Gildean (Progressista), um jovem rapaz que foi vítima de chacota e injúria nas redes sociais. É um trabalhador a ocupar ineditamente uma cadeira de vereador, representando um lampejo de esperança para quem não acreditava que alguém sem dinheiro e sem apoio de caciques pudesse se eleger. Uma grata exceção.

Imprensa, a grande derrotada

A principal derrota quem sofreu neste primeiro turno foi a imprensa tradicional, que ficou a ver canoas no rio enquanto esperava pela totalização de votos pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE), outra grande decepção no país do absurdo. Sem se preparar para um possível “bug” na apuração, deixou a opinião pública atônita, sem saber a quem recorrer em busca de informações oficiais e seguras.

Enquanto isso, os partidos fizeram o óbvio, que foi a apuração paralela a partir dos Boletins de Urnas (BUs), nos maiores colégios eleitorais, os quais são dados oficiais e seguros que ficam disponíveis em todas as salas de votação. O resultado disso é que, enquanto a imprensa ficou zonza em seu blecaute, no vácuo do TSE, os candidatos já comemoravam vitória na Capital e interior.

O terreno ficou aberto para o fortalecimento dos grupos de WhatsApp e redes sociais, que freneticamente fizeram uma “cobertura” rápida da totalização dos votos a partir das informações geradas pelos partidos e por pessoas que estavam nos locais de apuração. Em tempo de fake news, as redes sociais foram essenciais para levar informações principalmente no interior do Estado, onde os candidatos já estavam comemorando às 18h.

O sinal vermelho aumentou de forma preocupante para a imprensa tradicional.

Nem o TRE escapou

Internautas zoaram no Twitter e até enviaram tutorial sobre como printar a tela

No pior desempenho da Justiça Eleitoral dos últimos tempos depois da urna eletrônica, o apagão na totalização dos votos precisa ser bem esclarecida e os problemas sanados definitivamente, pois esse grave erro colocou novamente sob suspeita o sistema e deu novo ânimo às forças retrógradas que pregam a volta do uso da cédula em papel.

Nem o Tribunal Regional Eleitoral de Roraima (TRE-RR) escapou das críticas e da zoação dos internautas. No perfil do TRE no Twitter, o resultado com a totalização dos votos dos eleitos foi divulgado por meio de fotos da tela do computador, numa atitude jurássica que logo foi duramente criticada pelos internautas, ávidos pelos números oficiais diante do apagão geral.

Houve internauta que postou tutorial para que o TRE divulgasse o print da tela, em vez das fotos de péssima qualidade que irritaram os eleitores internautas.

Velha política e o sequestro

Apesar das grandes transformações nos últimos anos, a velha política ainda está no domínio, conforme demonstraram o desenrolar dos acontecimentos durante a campanha eleitoral, como o uso descarado da máquina administrativa e do escândalo da cueca que indignou a opinião pública nacional e se tornou chacota por meio dos memes.

A disputa política foi bem pior em passados não muitos distantes, quando atentados e crimes violentos serviam para influenciar a opinião do eleitorado. Não foi à toa que estas eleições registraram um suspeitíssimo caso de um sequestro não esclarecido. Afinal, são os mesmos políticos desse passado bem recente que ainda estão no controle do Estado.

É necessário que as polícias esclareçam o caso do sequestro de um jornalista para que tudo fique às claras e o segundo turno para a Prefeitura de Boa Vista siga o seu curso sem que nada fique oculto. Este caso é imprescindível para o fortalecimento do eleitor decepcionado com a política partidária.

Uso da máquina e a compra de voto

Ficou bem explícito que as máquinas administrativas do Governo do Estado e da Prefeitura  de Boa Vista foram fartamente usadas de forma indevida para fazer campanha eleitoral. São práticas antigas, mas que não eram amplamente registradas como atualmente, diante da popularização da internet e de celulares que batem foto e gravam vídeo.

Além disso, a compra de voto rolou solta. Houve vídeo gravado de candidata dando dinheiro na janela do carro e eleitores abastecendo em um posto de gasolina, onde alguns também recebiam saco de cimento. Fora outras fortes evidências que acabaram resultando na ação da Polícia Federal e até da Polícia Rodoviária Federal na Capital e no interior, com apreensão de dinheiro em embalagens de absorventes íntimos.

Fiscalizadores amarrados

Este pleito serviu para mostrar também que o que não avançou foi a estrutura dos órgãos fiscalizadores, não só amarrados pela velha política, aquela que nomeia os seus para cargos chaves, como também estão engessados em suas estruturas jurássicas, que acompanharam a modernidade e a agilidade dos novos tempos.

A Polícia Federal, atacada de todos os lados por políticos que querem freá-la, não tem estrutura necessária para atender às demandas, sozinha, surgidas pela ação da bandalheira geral da nação. A instituição fez o que pôde.

Ignorando a pandemia

A campanha eleitoral em plena pandemia foi uma explícita desconsideração com as famílias das vítimas do coronavírus. E o eleitor não deu a mínima para isso. Não podemos esquecer que um candidato a vereador por Boa Vista morreu, vítima de coronavírus, no dia do pleito.

A maioria dos políticos ignorou as pessoas que morreram vítima da Covid-18 e aqueles que adoecerem por falta de estrutura da saúde pública em todos os níveis, especialmente no atendimento básico, onde a Prefeitura ignorou os alertas e não adotou um protocolo eficiente para atender todos que chegavam com os sintomas da doença.

A mais explícita das comparações está na atitude da prefeita Teresa Surita (MDB), que agiu diante de suas conveniências políticas. No início da pandemia, mandou desligar as luzes de todas as praças públicas, sem adotar medidas mais eficientes para enfrentar a pandemia, ora mandando fechar tudo, mas logo cedendo para alguns setores que souberam fazer pressão política.

Na mesma medida que mandava fechar o cerco contra os pequenos comerciantes, fechava os olhos para os grandes, afrouxando a fiscalização de acordo com as pressões política. Por fim, antecipou as luzes de Natal em plena campanha eleitoral e no momento em que o vírus voltou a assustar. Tudo para fazer uma grande fachada eleitoral.

No âmbito do governo estadual, a situação não foi menos pior. O governador Antonio Denarim (sem partido) fingia que governava e dizia que não sabia de nada sobre a corrupção na saúde pública, já caótica desde a chegada em massa de venezuelanos. Na medida em que os casos de corrupção derrubavam seguidos secretários de Saúde, o governador fingia que não era com ele.

Em vez de agir imediatamente, a prefeita Teresa Surita tentou faturar politicamente em cima dos erros de Denarium e da desgraça do povo que começou a morrer no Hospital Geral de Roraima (HGR) vítima de coronavírus. E começou uma guerra política entre Teresa e Denarium, enquanto o Hospital de Campanha não conseguia dar início ao atendimento às vítimas da pandemia.

Enquanto isso, os pacientes que buscavam atendimento nos postos municipais de saúde eram mandados de volta para casa, sem serem medicados e sem serem testados, restando a muitos a buscar atendimento no HGR quando já era muito tarde.

Para completar o quadro, mais corrupção na saúde estadual, culminando com a operação da Polícia Federal que chegou ao escândalo da cueca, atingindo em cheio o núcleo da candidatura apoiada pelo governador Denarium, que havia entregado o governo a esse grupo, o principal derrotado neste pleito e que precisará se recriar se não quiser sofrer mais outras sérias consequências em 2022.

Abaixo da expectativa

A onda bolsonarista não perdoou Denarium nem o outro candidato que se elegeu nas eleições passadas pela pelo PSL a deputado federal, Antonio Nicolleti, que ficou bem abaixo da expectativa na disputa pela Prefeitura de Boa Vista, num incômodo quinto lugar, para quem investiu pesado, principalmente em assessoria jurídica, como faziam políticos da velha guarda que querem calar seus opositores por meio da censura. Pagou o  preço por isso.

Da mesma forma, o eleitor nem ligou para o pedido de voto do presidente Bolsonaro (sem partido) para um candidato a vereador por Boa Vista, que inclusive adotou o sobrenome do presidente como estratégia política. Não colou.

Dançando e cantando vitória

Teresa Surita comemora dançando antes de TRE começar a contagem dos votos

A votação expressiva do candidato da prefeita Teresa Surita, o seu vice Arthur Henrique (MDB), foi uma grande surpresa para todos os grupos políticos, pois diante da grande abstenção tudo se transformara em uma incógnita. A surpreendente abstenção acabou atropelando todos os prognósticos das pesquisas eleitorais.

Assim como Teresa sapateou em cima do coronavírus, ignorando tudo antes e durante a campanha eleitoral, ela começou a cantar e dançar a vitória de seu candidato no 1º turno antes do TRE começar a divulgar a contagem dos votos.

Com o anúncio de que haverá 2º turno em Boa Vista, não perdeu o rebolado e, na sua fala, Teresa disse que a chance de seu candidato perder o segundo turno, no dia 29, é “zero”. Só faltou ela dizer que nem Deus tiraria essa vitória. Mas, como diz a sabedoria popular, ninguém deve cantar vitória antes do tempo.

Agora tudo está nas mãos do eleitor, especialmente de quem deixou de votar.

Vem mais embate por aí…

*Colunista

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