Esquema criminoso arregimentou servidores do sistema prisional para servir ao crime organizado (Foto: Divulgação)

O grande silêncio que reinava no sistema prisional de Roraima só poderia fazer sentido se o crime organizado estivesse realmente bem articulado com agentes do Estado. Por longos anos, a Penitenciária Agrícola de Monte Cristo (Pamc) e a Cadeia Pública de Boa Vista funcionaram por meio de um grande acordo entre presos e agentes do Estado, quando esses presídios eram uma colônia de férias para bandidos, com as lideranças comandando comércios dentro dos presídios e negociando benesses de toda espécie.

Depois que esse grande negócio espúrio foi combatido e desfeito, com o Estado tentando retomar o comando dos presídios, que havia se tornado uma feira-livre do crime, começou uma onda intensa de violência, com fugas, rebeliões, atentados fora da cadeia e assassinatos. A situação encrudesceu quando as facções chegaram definitivamente, cujo ápice desse confronto entre bandidos e bandidos, e entre bandidos e polícia, resultou na maior chacina já vista no Estado, dentro da Pamc.

A saída foi a federalização do sistema prisional, quando realmente houve um controle dos presídios e arrefecimento da violência. Mas isso até um certo momento, quando o crime organizado parou de reclamar das condições dos presídios. E quando bandido não reclama da situação do sistema prisional, silenciando todos os demais, os quais têm direito a um tratamento humanitário, conforme a legislação, é porque algo vai muito errado.

Então, a verdade veio à tona com a Operação Alésia, desencadeada hoje pela Polícia Federal, revelando a face da organização criminal que atuava dentro do sistema prisional, devolvendo não apenas as benesses que haviam no passado, para lideranças do crime em todas as unidades prisionais, como também um conluio com o tráfico de droga e de armas, lavagem de dinheiro, privilégios e apoio ao crime organizado, além de outros crimes.

Havia se formado a  maior associação entre criminosos e servidores públicos, que na medida em que permitia privilégio e poder de mando por parte dos presos, também permitia aumentar a força de atuação do crime organizado fora dos presídios, incluindo aí os recorrentes assassinatos no confronto entre facções criminosas, com corpos degolados e desovados nas cercanias de Boa Vista.

Quando bandidos arregimentam agentes do Estado para que atuem no crime organizado, acaba-se criando um pacto do crime, que no início impõe um certo controle na criminalidade. E se esse conluio  não for contido, cria-se um poder paralelo no vácuo dos poderes constituídos, como já ocorreu no passado, especialmente no final da década de 1980 e início de 1990, quando a família Batista se alojou no Judiciário e na Polícia Civil, tempos em que ninguém sabia mais quem era polícia e quem era bandido. Os cemitérios clandestinos surgiram com força.

Caso não houvesse essa desarticulação, o poder paralelo dentro do sistema prisional iria se fortalecer e se ampliaria para outros níveis da sociedade e dos governos, a ponto de revivermos um passado em que não apenas bandidos morriam em suas disputas e acertos de contas, mas também todos aqueles que tentassem se opor ao sistema corrupto e ao poder paralelo que se instalou com várias ramificações.

Essa desratização precisa seguir em outros setores dominados pelos desmandos e corrupção,  a exemplo da saúde pública. Mas quando os esquemas são articulados por peixes  graúdos, com seus dinheiro na cueca, há sempre formas de conter a faxina moral. No entanto, por enquanto, vamos torcer para que o Estado retome o poder no sistema prisional e faça imperar a lei e a ordem que o sistema democrático exige.

Esse grande mal precisa ser contido na raiz, porque o grande conluio iria contaminar outros setores e realmente ficaria difícil para se dizer, no futuro bem próximo, quem seria servidor e quem seria bandido, quem seria polícia e quem seria criminoso.

 *Colunista

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