Indígenas Waimiri Atroari Foto: Mário Vilela/Funai

Uma das principais promessas de campanha do Jair Bolsonaro (sem partido) para Roraima, de retomar as obras do Linhão de Tucuruí, está cada vez mais distante de ser concretizada. 

Representante de 56 aldeias que serão afetadas caso a construção ocorra, a Associação Comunidade Waimiri Atroari (ACWA) comunicou que não irá mais negociar o andamento das obras do Linhão com a atual gestão da Fundação Nacional do Índio (Funai). A declaração é de carta enviada para o Ministério de Minas Energia na tarde de terça-feira (15), que relata perseguições políticas. 

O atual presidente da Funai é o delegado da Polícia Federal Marcelo Augusto Xavier da Silva, que tem proximidade com parlamentares da bancada ruralista da Câmara dos Deputados. 

No mês passado, a Associação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib) encaminhou para o Ministério Público Federal uma representação criminal contra Marcelo, e argumentou que ele usa de aparato estatal para perseguir críticos do Governo Bolsonaro. Esse foi o caso da líder indígena Sônia Guajajara, denunciada por ele por difamação. Ela chegou a ser intimada pela PF, mas o processo foi arquivado pela Justiça Federal por falta de provas. 

Os Waimiri Atroari relatam uma situação semelhante. O documento explica que os indígenas tomaram conhecimento de que a PF começou a investigar vários membros da ACWA, incluindo o diretor dirigente Mario Parwe Atroari, por suspeita de tráfico de influência, prevaricação e desvio de recursos públicos. 

Essa investigação foi solicitada pelo presidente da Funai por ofício enviado à PF em novembro do ano passado. A reação do povo Waimiri Atroari foi de choque e indignação.

“Isso deixou toda a Comunidade extremamente decepcionada e sem entender o que estava acontecendo […] A Funai, por ação do atual presidente, quebrou toda a crença e boa-fé que a Comunidade ainda possuía na instituição […] Não queremos mais continuar e nem seguiremos qualquer diálogo sobre o linhão de Tucuruí com a participação da Funai, do seu atual presidente e nem da pessoa responsável pela coordenação de licenciamento ambiental da Funai”, explicitaram os indígenas. 

O Ministério Público Federal já se posicionou pelo arquivamento do inquérito criminal na 4º Vara da Justiça Federal do Amazonas. O Roraima1 entrou em contato com a Funai solicitando posicionamento sobre o assunto, mas não obteve retorno. 

A ACWA reforça que filma e faz atas de todas as reuniões, como forma de impedir irregularidades, e pretende convidar diversas entidades para acompanhar tratativas sobre o Linhão de agora em diante. 

“Daqui para frente serão convidados representantes do Ministério Público Federal, da Comissão de Direitos Humanos e Minorias da Câmara dos Deputados, da Frente Parlamentar Mista em Defesa dos Direitos dos Povos Indígenas, da Comissão Especial para Defesa dos Direitos dos Povos Indígenas do Conselho Federal da Ordem dos Advogados da OAB, Organização das Nações Unidas (ONU) e a Organização dos Estados Americanos para toda e qualquer reunião referente ao assunto Linhão de Tucuruí”, afirma o documento.

Construção do Linhão de Tucuruí interliga Roraima ao Sistema Interligado Nacional. Foto: Mapa/Divulgação

OBRA DO LINHÃO

O Linhão é uma obra que visa levar energia elétrica gerada pela Usina Hidrelétrica de Tucuruí, no Pará, para Roraima por meio de uma linha de transmissão de Manaus. Com isso, o estado conseguiria estar interligado com o sistema nacional de distribuição de energia. 

Dos 721 quilômetros de extensão da obra, 125 devem passar pela Terra Indígena Wamiri-Atroari. Nessa região, se estima que vivam mais de 2 mil indígenas. Desde a década passada, órgãos federais e as comunidades da região negociam um Plano Básico Ambiental para que a obra possa ser feita com o menor impacto possível ao ecossistema da região. 

Em agosto do ano passado, Jair Bolsonaro para apoiadores em chegada ao Palácio do Planalto, e chegou a dizer que o Linhão de Tucuruí era seu “maior sonho”. Em abril, diretor-geral da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel), André Pepinote, chegou a estimar que a obra fosse ser retomada ainda este ano em sessão na Comissão de Minas e Energia da Câmara dos Deputados.

Em fevereiro, a Funai entregou aos indígenas uma nova proposta de Plano Básico Ambiental para o Linhão, traduzido para a língua nativa. Até hoje, esse documento não foi lido. A Associação explica que passa por vários transtornos devido à pandemia do coronavírus, como o cumprimento do isolamento social e o atraso de rituais importantes. O documento salienta ainda que o Plano só será aprovado se os representantes de todas as aldeias afetadas concordarem em reunião. 

Em março deste ano, a União sofreu outra derrota para o andamento da obra. A Justiça Federal anulou o contrato da concessionária Transporte Energia S.A com a União para construção do Linhão. A decisão aponta que a empresa ficou financeiramente prejudicada pelo empreendimento, e não há licenciamento ambiental para construção da obra até hoje, dez anos depois da licitação.

Deixe seu comentário

Please enter your comment!
Please enter your name here