Rio Uraricoera, em Roraima, é uma das principais áreas usadas em garimpo - Foto: Chico Batata/Greenpeace

O número de pistas de pouso clandestinas e clareiras abertas para a aterrissagem de helicópteros usados pelo garimpo dentro da terra indígena Yanomami, em Roraima, aumentou exponencialmente durante o governo de Jair Bolsonaro, de acordo com documentos obtidos pelo jornal O Globo.

O Ibama mapeou 277 pontos clandestinos de pousos e decolagens espalhados por toda a extensão do território Ianomâmi. Relatórios sigilosos produzidos pela Coordenação-Geral de Índios Isolados e de Recente Contato da Fundação Nacional do Índio (Funai), aos quais a reportagem teve acesso, dão a medida de quanto o problema é crescente.

De acordo com o documento, em 2019 havia três pistas de pouso e 14 helipontos improvisados ao longo do rio Mucajaí, um dos principais pontos de garimpo na terra indígena. No fim do ano passado, porém, uma operação da Secretaria de Operações Integradas (Seopi) do Ministério da Justiça identificou 87 espaços de pouso de aeronaves na mesma região.

A proliferação do uso de aeronaves que transitam naquele espaço aéreo traz riscos até mesmo a pousos e decolagens de aviões comerciais em Boa Vista. Em 17 de março do ano passado, um avião da Latam que se aproximava do aeroporto da capital teve de arremeter (abortar o pouso) sob risco de colidir com um helicóptero do garimpo. O episódio é investigado pelo Centro de Investigação e Prevenção de Acidentes Aeronáuticos da FAB. Questionada, a Força Aérea não respondeu aos contatos feitos pelo O Globo.

O número de pistas clandestinas pode ser maior do que o identificado pelo Ibama, como mostra uma ação pela qual o Ministério Público Federal (MPF) pede à 2ª Vara Federal do estado o aumento da fiscalização e o efetivo combate à presença de garimpeiros na terra indígena. De acordo com o MPF, as operações ocorridas até agora não foram suficientes para mapear todos os pontos logísticos de suporte aéreo ao garimpo. “O curtíssimo tempo de operação inviabilizou a fiscalização de todos os pontos de interesse operacional identificados: apenas um terço dos pontos foram fiscalizados. A descontinuidade das operações de fiscalização de todos os pontos proporcionou a rápida reorganização da logística na área do garimpo”, diz um trecho do documento anexado ao processo, que corre em sigilo.

A mesma ação revela ainda que aeronaves apreendidas pelas autoridades com garimpeiros acabaram voltando às mãos deles tempos depois, segundo os investigadores, por meio de aeródromos a quem elas eram repassadas. Diz o texto: “29 aeronaves apreendidas (e armazenadas) nos aeródromos foram retiradas irregularmente do local, passando a operar novamente no garimpo”. Um dos aviões apreendidos pelo Ibama, por exemplo, foi posteriormente encontrado em uma pista de pouso clandestina usada para suporte ao garimpo. Em consequência disso, o MPF pediu à Justiça Federal que autorize o Ibama a destruir ou dar outra destinação às aeronaves, em vez de nomear fiéis depositários para ficarem responsáveis por elas.

Denúncias

Demarcada em 1992, a reserva Ianomâmi abriga quase 30 mil indígenas distribuídos por mais de 300 aldeias. Os dados sobre o número de pontos logísticos do garimpo na área indígena foram levantados por operações solicitadas pelo Supremo Tribunal Federal numa ação, conduzida pelo ministro Luís Roberto Barroso, em que entidades que representam povos indígenas pediram providências contra a falta de políticas públicas de amparo a indígenas.

Divulgado no fim de abril, um relatório da Hutukara Associação Yanomami apontou a existência de doze pistas de pouso usadas por garimpeiros dentro da terra indígena e outras 40 nas adjacências da reserva. “É possível que este número seja maior”, pontua o documento. O transporte de garimpeiros a esses territórios costuma ocorrer por meio de aviões de pequeno porte e, uma vez lá dentro, os garimpeiros se locomovem com a ajuda de helicópteros, próprios para percorrerem distâncias menores.

Segundo a associação, a atividade de mineração ilegal na reserva indígena aumentou 46% em 2021, em comparação com 2020. Nos últimos cinco anos, o salto foi de 3.350%.

Na semana passada, o líder Júnior Hekurari, presidente do Conselho Distrital de Saúde Indígena Yanomami e Yek’wana (Condisi-YY), anunciou ter recebido relatos no fim de abril que apontavam o estupro e assassinato de uma menina ianomâmi de 12 anos, além do sequestro de uma mulher que carregava uma criança de 3 anos que teria sido jogada no rio e desaparecido. O caso aconteceu depois de um suposto ataque por garimpeiros. Ao averiguar o local, a PF informou não ter encontrado indícios de estupro, homicídio ou óbito por afogamento acontecidos recentemente.

1 comentário

  1. Engraçado que o pessoal sempre joga culpa no governo e os governadores e prefeitos o que fazem ? E as ong lá dentro é só pra tirar sem ser impedido?

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