Foto: Felipe Werneck/Ibama

Garimpeiros brasileiros têm cruzado a fronteira para explorar ouro em terras ianomâmis na Venezuela. Ao longo dos últimos seis meses, o portal UOL teve acesso a vídeos, fotos, documentos inéditos e fez entrevistas com indígenas e especialistas em questões ambientais que apontam o avanço de trabalhadores ilegais em ao menos cem comunidades de diferentes etnias na Amazônia do país vizinho.

Para a manutenção do esquema, há pagamento de subornos em ouro ao Exército da Venezuela e a dissidentes das Farc (Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia), segundo os relatos ouvidos pela reportagem. Procurado durante três semanas, o governo de Nicolás Maduro não se pronunciou sobre as acusações.

Segundo a reportagem apurou com integrantes da Polícia Federal, do lado da Venezuela o crime não pode ser combatido, a não ser que os garimpeiros tragam ouro para o lado brasileiro. Mas, para evitar serem punidos por contrabando, parte dos garimpeiros deixa as pepitas na Venezuela, vende para outras pessoas e recebe o dinheiro no Brasil, em uma operação conhecida como dólar-cabo.

Droga, morte e ouro na “economia” do crime

Não há consenso sobre a quantidade de brasileiros em ação no país vizinho: o número varia de 500 a até 5 mil, dependendo da fonte. Os trabalhadores atuam em mais de cem áreas de garimpo ilegais. Três indígenas ouvidos pela reportagem afirmaram que os garimpeiros pagam 30 gramas em ouro a militares venezuelanos por cada máquina instalada. Segundo a ONG SOS Orinoco, com base em depoimentos de indígenas, há atualmente 34 máquinas ativas em sete setores apenas na Serra da Parima.

A exploração de ouro e cassiterita (mineral de onde se extrai o estanho, metal valorizado que é usado em aparelhos eletrônicos) no sul venezuelano traz perdas ambientais e sociais ligadas a uma rede criminosa que inclui, além de militares do Exército corruptos, milícias, “assassinos”, garimpeiros do Brasil, e dissidentes das Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia. “[Os dissidentes das] Farc é que controlam a economia de todos os setores. Portanto, eles são os que controlam absolutamente tudo com propinas”, disse Romel Guzama, 39 anos, líder indígena morador de Puerto Ayacucho e opositor do presidente Nicolás Maduro.

Em 2017, as Farc deixaram as armas e entraram oficialmente na política, com o partido Fuerza Alternativa Revolucionaria del Común, também chamado de Comunes. Ao UOL, Gabriel Angél, membro da direção do partido, negou qualquer relação com os dissidentes. “Somos até considerados inimigos por boa parte de seus comandantes”, disse.

Os ex-guerrilheiros atuam em, pelo menos, duas frentes: cobrando propinas de garimpeiros brasileiros e atuando com narcotráfico, segundo o policial federal Christian Vianna, doutor em Relações Internacionais pela PUC de Minas. “Ali é uma relação ganha-ganha. Se ele [garimpeiro] fosse pagar pelo direito minerário, ele teria que pagar. Ele não paga nada [por isso]. Mas quem cobra [propinas] dele não é o Estado, são as Farc ou a ELN”, disse, referindo-se ao Exército da Libertação Nacional, outro grupo guerrilheiro que atua na região.

O rastro de sangue já é evidente. Em 20 de março, quatro indígenas ianomâmi foram mortos pelo Exército da Venezuela. Segundo a diretora da ONG SOS Orinoco, Cristina Burelli, o conflito foi motivado por causa do sinal de internet, mas, em sua raiz, estava o pagamento de propinas em ouro não entregue aos militares.

O procurador Vladimir Aras, ex-chefe da área internacional da Procuradoria-Geral da República e professor de direito penal da Universidade Federal da Bahia, afirma que é possível combater os crimes cometidos por brasileiros no país vizinho mesmo sem auxílio do governo venezuelano, porque existem acordos multilaterais assinados pelo Brasil. “Se um garimpeiro brasileiro comete corrupção de funcionários públicos venezuelanos, esse brasileiro, estando no Brasil, pode ser processado aqui pelo crime cometido lá”, disse Vladimir Aras, procurador do MPF.

Um exemplo aconteceu em maio. Garimpeiros que assassinaram policiais e tentaram matar outras 22 pessoas na Guiana Francesa foram condenados no Brasil. Um deles pegou 130 anos de prisão. O UOL procurou representantes do governo de Nicolás Maduro por mais de duas semanas. O procurador-geral do país, Tarek Saab, afirmou que o Ministério dos Povos Indígenas deveria se manifestar, mas o órgão não respondeu aos contatos feitos por redes sociais. A assessora de imprensa do Ministério da Defesa e o Exército não prestaram esclarecimentos ante as tentativas de contato.

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