Imigrantes venezuelanos cruzam a pé a fronteira entre Venezuela e Brasil, próximo ao município de Pacaraima, em Roraima. Foto: Wherter Santana/AE

Após percorrer dois países em busca de um lugar seguro para viver, a ganesa Nan M.*, de 34 anos, só conseguiu no Brasil a proteção perdida em seu país de origem. “Lá [em Gana], pessoas como eu, mulheres que se apaixonam por outras mulheres, podem até ser mortas por isso”, conta. Após entrar em território brasileiro pela fronteira com a Guiana (no Estado de Roraima), ela pôde, em apenas três dias, solicitar reconhecimento da condição de refugiada e acessar direitos e serviços com o apoio da Agência da ONU para Refugiados (ACNUR).

“Aqui me sinto segura e fui tratada muito bem. O Brasil é um país que eu gosto, em que posso ter uma vida com paz e sendo eu mesma, além de ter como solicitar refúgio”, avalia ela.

O estado de Roraima se tornou desde 2018 o principal ponto de entrada de pessoas refugiadas e migrantes da Venezuela. No entanto, a Guiana é historicamente um país que é rota de diversas nacionalidades que buscam por refúgio. Ainda que os abrigos de Roraima sejam exclusivos para pessoas afetadas pela situação da Venezuela, centenas de pessoas de outras nacionalidades encontram nos Postos de Interiorização e Triagem (PI-TRIG) locais seguros para solicitar a regularização migratória e refúgio, junto ao ACNUR e à Força-Tarefa Logística-Humanitária da Operação Acolhida.

Entre janeiro e maio de 2022, nos PI-TRIGs, mais de 13 mil pessoas, entre 21 nacionalidades diferentes, solicitaram o reconhecimento da condição de refugiado. Ainda que atendendo sobretudo a população venezuelana, que representa mais de 95% das solicitações, os locais são abertos e preparados para receber pessoas de diferentes países que vivem o deslocamento forçado por motivos de perseguições políticas e violações de diretos humanos.

Em 20 de junho, todos os anos, o mundo observa o Dia Mundial do Refugiado para ressaltar a força e a resiliência de pessoas que são forçadas a abandonar seus países em busca de segurança e um futuro com dignidade, longe de guerras, conflitos e violações de seus direitos humanos.

Em 2022, o foco deste dia é o direito à proteção. “Sempre que as pessoas são forçadas a deixar seus locais de origem ou seu país, elas têm o direito de solicitar proteção. As pessoas não escolhem o momento em que precisam sair, portanto os países devem oferecer um tratamento humanizado e garantir o direito de solicitar reconhecimento da condição de pessoa refugiada, sem discriminações. Vemos isso em Roraima”, diz Rocio de Miguel, Oficial de Proteção do ACNUR em Boa Vista.

Mais ao norte do estado, a solicitante de refúgio cubana Ivis S., de 33 anos, também buscou as instalações da Operação Acolhida para solicitar proteção. “Não fico feliz em pedir proteção. Ser reconhecida como refugiada não é uma ação feliz, mas foi a única forma pela qual eu conseguia ver uma perspectiva real de futuro”, conta ela.

Trabalhando como artista em Cuba, Ivis S. acredita que nunca mais poderá regressar ao seu país natal para exercer sua profissão. “Mas sei que minha felicidade está aqui [no Brasil]”, completa. Seu destino final é a capital da Bahia, Salvador, onde moram conhecidos da sua família.

A cubana Ivis é atendida pela equipe do ACNUR em Pacaraima. ACNUR/Camila Ignacio Geraldo

Em Pacaraima, Ivis S. aguardou ao lado de dezenas de pessoas venezuelanas por sua solicitação de reconhecimento como refugiada. Entre elas estavam os irmãos Juan L. e Angelica L., que atravessaram a fronteira no mesmo dia da cubana, depois de mais de 70 horas de viagem de carona entre Barquisimetro e Santa Helena de Uairén, ainda do lado venezuelano da fronteira.

A filha de Juan, Valentina, de apenas 6 meses, foi o grande motivo para realizarem a viagem. “Não tínhamos nada para dar para ela. Enquanto a insegurança era só nossa, tínhamos esperança para esperar uma melhora. Quando ela nasceu, tudo mudou”, contou o pai.

Os irmãos resolveram juntar os poucos pertences e vir ao Brasil. “Não sabemos nada sobre esse país, tampouco temos conhecidos aqui. Mas sabíamos que este é um local de acolhimento, em que podemos ter informação e apoio suficiente para trabalhar e reconstruir nossas vidas”, diz Juan.

O sonho da família é ter uma fazenda própria e continuar o trabalho com agricultura familiar, que já exercia na Venezuela. “As pessoas chegam ao Brasil com conhecimentos para apoiar no crescimento econômico e produtivo no país. Pessoas refugiadas devem ter o direito de buscar proteção. Acolhê-las é uma forma de receber conhecimentos e novas técnicas para o crescimento das cidades, estados e municípios”, diz Oscar Sanchez, Chefe de Escritório do ACNUR em Boa Vista.

A família, enquanto aguarda a interiorização, poderá preparar-se e capacitar-se em abrigos da Operação Acolhida em Roraima. Todos os abrigos dos estados vinculados à Operação Acolhida são geridos pelo Subcomitê Federal para Acolhimento e Interiorização (SUFAI) com Acordo de Cooperação Técnica com a Agência da ONU para Refugiados (ACNUR).

Esse trabalho é possível graças ao apoio de nossos doadores – incluindo governos, instituições e indivíduos – que permitem que o ACNUR siga oferecendo proteção às pessoas que foram forçadas a deixar suas casas em todas as etapas de suas jornadas em busca de segurança e um futuro digno no Brasil.

*Os nomes nessa história foram alterados para preservar a identidade das pessoas entrevistadas.

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