Presença de 13 cidades da Amazônia no ranking das 30 mais violentas do país tem como exemplo mais recente o assassinato do jornalista inglês Dom Phillips e do indigenista Bruno Pereira.

Levantamento do Fórum Brasileiro de Segurança Pública divulgado nesta terça-feira (28) mostra que, no período correspondente ao governo de Jair Bolsonaro, das 30 cidades com maior número de mortes a cada grupo de 100 mil habitantes, a Amazônia Legal passou a ter 13 delas. Ou seja, quase a metade das cidades mais violentas de todo o país agora está na Amazônia.

O período analisado pelo Fórum em seu Anuário, de 2019 a 2021, inclui ocorrências na Amazônia que tiveram grande repercussão. É o caso do assassinato de um indígena da etnia Munduruku de 21 anos, em setembro de 2020, em Jacareacanga, no Pará, segunda cidade mais violenta da região. Arlesson Glória Panhum da Silva estava em um bar quando um homem chegou e disparou contra ele, chegando a acertar outro homem, que sobreviveu. Passados três dias, o suspeito de matar o indígena foi assassinado em sua casa em uma ação da polícia.

Outro exemplo é o assassinato de quatro pessoas, sendo três da mesma família, que saíam de um garimpo ilegal em Aripuanã, no noroeste de Mato Grosso, em novembro de 2020. O carro em que estavam, na décima cidade mais violenta do país, foi abordado por homens encapuzados que atiraram. Segundo a polícia, apenas uma mulher grávida foi “poupada” após clamores do marido. Os suspeitos a teriam levado a uma rodoviária, de onde conseguiu voltar para casa.

Nesse contexto, o Pará é o estado amazônico que concentra mais cidades do ranking das mais violentas do Brasil. Depois vêm Mato Grosso e Rondônia, com duas cada. E, na sequência, Amazonas e Maranhão, com uma. A Amazônia é composta pelos estados do Amazonas, Pará, Acre, Amapá, Rondônia, Roraima, parte do Maranhão, Mato Grosso e Tocantins.

Síntese da violência

Para o Fórum, a análise de dados relativos a três anos permite afirmar que a violência está presente no cotidiano do território. “É a média dos últimos três anos, não algum episódio pontual. Nem países em guerra têm essa taxa. O fenômeno da violência está se interiorizando para municípios com menos de 100 mil habitantes. E a Amazônia é a síntese desse quadro de violência extrema no Brasil”, disse o presidente da instituição, Renato Sérgio de Lima.

A presença de 13 cidades da Amazônia no ranking das mais violentas, segundo ele, mostra muito mais: demonstra que o cenário de violência em áreas fronteiriças e próximas a comunidades indígenas nessas regiões é anterior ao recente assassinato do jornalista inglês Dom Phillips e do indigenista licenciado da Funai Bruno Pereira. Os dois foram mortos a tiros no dia 5, quando faziam o trajeto entre a comunidade ribeirinha de São Rafael e a cidade de Atalaia do Norte, no Vale do Javari (AM).

E que a omissão do Estado somada à presença de facções criminosas, que transportam armas e drogas para dentro do país, estão entre as principais causas dos atos violentos na Amazônia. Para o presidente do Fórum, o crime organizado se aproveita da ausência das Forças Armadas em áreas fronteiriças ou em terras indígenas. E assim controlam as ações ilegais no território. “O crime organizado tem exercido um papel de ‘síndico da Amazônia’. Isso envolve o garimpo, a pesca ilegal, o combustível clandestino e até a prostituição. É como a milícia no Rio, ocupando as brechas deixadas pelo Estado”, comparou.

Há ainda o agravante da impunidade fortalecido pela precária estrutura atual das forças de segurança na região, segundo ele. “No Acre, há apenas 78 delegados da Polícia Civil. Em Roraima, são 56. O delegado é o responsável por fazer as investigações criminais. Com isso, dá para perceber o quanto é difícil fazer justiça na Amazônia”.

Retrato da violência sob Bolsonaro

Entre as 30 cidades mais violentas do Brasil estão 19 rurais, oito intermediárias e três urbanas. O Pará é o estado que lidera o ranking, com sete cidades, seguido pela Bahia e Rio Grande do Norte (com cinco cada) e Ceará (com quatro).

Em 2017, o Brasil atingiu um recorde de assassinatos e a taxa chegou a 30,9 mortes para cada 100 mil habitantes. O índice caiu em 2018 e 2019 e voltou a subir no ano passado: 47,5 mil mortes violentas, com a taxa chegando a 22,3 mortes para cada 100 mil habitantes. Queda de 6,5% comparada a 2020, quando foram registrados 50,4 mil assassinatos. Ao todo, 77,6% das vítimas de mortes violentas são pessoas negras.

O Anuário Brasileiro de Segurança Pública motra que policiais mataram 6,1 mil pessoas em 2021, queda de 4,9% em comparação às 6.413 ocorrências de 2020. Ao todo, 84% das pessoas mortas em ações policiais eram negras. Em 2021, 190 policiais foram mortos no país, uma queda de 12% em comparação aos 222 registros de 2020. Policiais mataram 6,1 mil em 2021; 84% eram negros.

Altas taxas de letalidade

Desde 2013, quando o Fórum iniciou o monitoramento, ao menos 43.171 pessoas foram assassinadas em ações policiais civis ou militares em todo o país. Os dados excluem policiais federais e rodoviários federais. Apesar do elevado número, equivalente a 12,9% de todas as mortes violentas intencionais no país, esse número caiu no Brasil pela primeira vez no ano passado.

Mesmo assim, as taxas de mortalidade em ações policiais continuam elevadas em vários estados. O Amapá é considerado um caso alarmante, com a polícia mais violenta em todo o país. A taxa de pessoas mortas pelas ações policiais foi de 17,1 por 100 mil habitantes. Quase seis vezes a média nacional, de 2,9.

Em segundo lugar vem Sergipe, cuja letalidade policial é de 9 mortes por 100 mil habitantes. Em terceiro vem Goiás (8). O Rio de Janeiro aparece em quarto lugar no ranking. Em números absolutos, são 1.356 vítimas, entre elas as 28 pessoas assassinadas na favela do Jacarezinho, em maio. A ação mais letal da história da polícia fluminense.

Deixe seu comentário

Please enter your comment!
Please enter your name here