Mapa mostra área de Boa Vista que foi planejada ainda na década de 1940 (Imagem: Multigrav)

 

Quem sai ou chega de avião consegue avistar praticamente toda Boa Vista lá de cima, se estiver em uma janela favorável, obviamente. Se for à noite, dá para ter inclusive a noção exata do fim da área urbana a partir da iluminação pública mais espaça ou inexistente. Esse visual privilegiado é porque a Capital de Roraima geograficamente tem o tamanho de qualquer bairro de uma grande cidade brasileira.

Antes da chegada em massa de venezuelanos (esse dado obrigatoriamente tem que ser levada em conta em qualquer análise), a população de todo Estado não chegava a meio milhão de habitantes, com 60% deles morando em Boa Vista. Por décadas, vivemos tranquilos numa zona de conforto que era privilégio somente de pequenas cidades rurais. E assim nossos governantes trataram o bem público como se fôssemos viver numa eterna maloca urbanizada só no meio.

Isso significa que, com a montanha de verbas públicas federais que chegaram desde o tempo em que Roraima era Território Federal – até o fim da década de 1980 -, a cidade de Boa Vista era para ter todas (TODAS) as ruas asfaltadas, com 100% dos moradores com esgoto sanitário e pluvial, espaço bem planejada, com praças, escolas, postos de saúde e hospitais em quantidade suficiente para atender a população pequena, ou seja, que ainda cabe em qualquer favela de um morro do Rio de Janeiro, por exemplo.

Mas não é isso que vemos. Temos uma prefeita, Teresa Surita (MDB), ja no seu quinto mandato à frente do Executivo municipal, ou seja, há quase 20 anos no poder (20 ANOS!), que alardeia em suas redes sociais como a benfeitora que construiu toda Boa Vista. Isso é a maior falácia política que está sendo construída para enganar besta que se ilude com o pouco que temos, tudo concentrado em áreas centrais, nas vias arteriais por onde a população tem que passar obrigatoriamente no grande fluxo diário do trânsito.

Porém, toda a área central de Boa Vista foi planejada e construída ainda na década de 1940. A extensão daquela área em forma de leque que é vista lá de cima, da janela de avião ou nas fotos aéreas divulgadas aos montes, foi estruturada há quase 80 anos pelos primeiros governantes aqui enviados pelo governo central, quando Roraima era visto como estratégico para a manutenção da soberania brasileira.

Além disso, a espinha dorsal da mobilidade de Boa Vista, as avenidas principais que interligam os bairros periféricos ao Centro, responsáveis pelo grande fluxo diário de veículos e pessoas, também foi construída por antigos governantes, tanto prefeitos quanto governadores, pois Boa Vista continua sendo ainda uma cidade-Estado, por isso concentra todo o comando político e administrativo de Roraima.

Se qualquer pessoa sair de carro pelas vias arteriais rumo aos bairros, basta dobrar à direita ou à esquerda que fatalmente irá encontrar ruas na buraqueira e na lama. No máximo verá ruas asfaltadas em tempos muito remotos, cujo asfalto já está deteriorado pela ação do tempo e pela falta de manutenção, resistindo graças à qualidade da pavimentação que era feita no passado, nos primeiros governos.

Não podemos tirar o mérito da atual prefeita. Ele sabe muito bem florir os canteiros e reformar praças nos bairros centrais. Não à toa ela quer deixar como legado a reforma do complexo Ayrton Senna, que é a porta de entrada da cidade a partir do aeroporto. Também quer construir a nova orla onde era o Beiral, uma ideia copiada do falecido Ottomar Pinto quando prefeito. Mas tudo isso a um custo muito alto, com grandes volumes de recursos que nunca foram bem detalhados, a exemplo do que é pago para a empresa que planta e molha os jardins da cidade, que recebe milhões há quase duas décadas (veja aqui).

No seu Twitter, Teresa vem insinuando que foi ela quem fez sozinha o Teatro Municipal, obra que vem da administração anterior e com recursos de alguns parlamentares que sequer foram citados no dia da inauguração. Se bobear, ela vai dizer que tudo foi ideia dela. Méritos ela tem, é bom frisar para acalmar seu séquito. Mas seus méritos, se medidos, são mais estéticos do que estruturais.

Basta fazer as contas levando em consideração o número de crianças fora da escola e o número de creches construídas ou cujas obras estão abandonadas. A conta não fecha. Se um cidadão for a um posto de saúde, vai comer o pão que o diabo amassou porque eles, em sua maioria, só funcionam para fazer curativos. Nem a destinação do lixo da cidade a prefeita conseguiu administrar, pois o aterro sanitário virou uma vergonhosa lixeira a céu aberto e que contamina um igarapé que deságua no Rio Branco.

A situação só não é pior porque o Governo do Estado nunca repassou à Prefeitura de Boa Vista a responsabilidade pela construção de esgoto, setor que é de responsabilidade municipal. Aí a desgraça estrutural teria sido pior para o povo. E assim temos uma cidade que vive de estética em áreas centrais, estrategicamente, como se estivéssemos bem bonitinhos, dentro do vidrinho. Mas a realidade é outra para quem mora na periferia e tem que acordar todos os dias para sair no buraco e lama durante o inverno.

Se um administrador não consegue estruturar uma cidade que é do tamanho de um bairro, algo que seria responsabilidade de um subprefeito, imagine governar um Estado com municípios que vivem na penúria. O Estado não se resume a florir e harmonizar o Parque Anauá, como a prefeita está pensando em seu Twitter. O governador Antonio Denarium agora está sabendo o tamanho da responsabilidade. E Teresa está apostando muito no fracasso de Denarium.

E o povo tem que ficar de olhos bem abertos, porque Boa Vista é muito mais do que luzes e cores. Quem mora na periferia sabe muito bem da realidade além das propagandas e das fachadas. A imigração inesperada veio para revelar que os políticos enganaram muito bem por longos anos, fazendo maquiagens, achando que iríamos continuar a linda cidade do campo rodeada de burutis e taperabás. A realidade em tempo de imigração chama todos a sairmos da mentira e do engodo.

*Colunista, idealizador do site www.roraimadefato.com.br

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