Rio Uraricoera, em Roraima, é uma das principais áreas usadas em garimpo - Foto: Chico Batata/Greenpeace

O Ministério Público junto ao Tribunal de Contas da União (TCU) pediu que o tribunal investigue supostas irregularidades em contratos do Ministério da Saúde com uma empresa de táxi aéreo que tem um sócio suspeito de participação em garimpo ilegal na terra indígena ianomâmi, a maior do Brasil.

A empresa já recebeu R$ 24,3 milhões do ministério para ofertar voos a índios doentes e equipes de saúde de seis distritos sanitários especiais indígenas (DSEIs), como O Globo revelou ontem. Desse valor, R$ 17 milhões foram pagos no governo de Jair Bolsonaro, sendo R$ 1 milhão na gestão do general Eduardo Pazuello, ministro interino da Saúde. Os contratos seguem vigentes até 2021.

O subprocurador-geral do MP junto ao TCU, Lucas Rocha Furtado, assinou nesta terça-feira uma representação com pedido de investigação, a ser encaminhada ao presidente do tribunal, ministro José Mucio Monteiro.

Furtado pede que o TCU verifique se a Icaraí Turismo Táxi Aéreo tem “efetiva qualificação técnica” para o transporte aéreo em terras indígenas; requisite cópia das investigações da Polícia Federal (PF), a chamada Operação Tori, que registram suspeitas de que o sócio Rodrigo Martins de Mello cedeu aeronaves ao garimpo ilegal na reserva yanomami; e que, em caso de confirmação de incapacidade da Icaraí e de nexo com o garimpo, os contratos com o Ministério da Saúde sejam cancelados, com contratação emergencial de empresa qualificada e nova licitação.

Na noite de ontem, a Agência Nacional de Aviação Civil (Anac) informou que abriu um processo para apurar “possíveis irregularidades” por parte da empresa, uma vez que ela ofertou voos aos DSEIs mesmo após a suspensão do certificado de operador aéreo pela Anac. A medida foi adotada cautelarmente em 17 de junho e veda o transporte aéreo. A Icaraí “não demonstrou possuir controle sobre a qualificação de seus tripulantes, permitindo que estes tripulem aeronaves sem estarem aptos”, cita a decisão da Anac.

“As suspeitas de atuação de aeronaves da Icaraí em atividades de garimpo ilegal em terras indígenas, associada ao fato de o transporte estar sendo realizado por empresa impedida de operar voos há quase um mês por falta de treinamento de pilotos e tripulantes, revestem-se de gravidade tal que motiva a imediata atuação do tribunal”, afirma o subprocurador do MP na representação ao TCU. Furtado diz que o garimpo ilegal “não só enseja o desmatamento, mas também ocasiona danosas consequências à saúde dos indígenas, seja pela degradação das áreas de floresta, seja pela disseminação de doenças”. Além disso, a realização de voos a despeito da decisão da Anac coloca em risco a vida dos passageiros, segundo ele.

A Justiça Federal já decretou a busca e apreensão de um avião em nome do empresário, por suspeita de uso em esquema de extração criminosa de ouro no território ianomâmi. A mesma aeronave chegou a ser fotografada por índios em suas terras – eles enviaram as imagens à PF e associaram o veículo ao garimpo ilegal, como consta em inquérito em curso na PF em Roraima.

Investigados por garimpo ilegal pela PF estavam por trás de uma outra empresa de transporte aéreo que prestava serviço aos DSEIs, a Paramazônia Táxi Aéreo. A empresa, porém, mudou de nome e de sócios em 2018, e virou a Voare Táxi Aéreo, conforme aprovado pela Anac.

A Voare já recebeu R$ 197 milhões do Ministério da Saúde entre 2014 e 2020 (até 2 de julho) para transportar indígenas e profissionais de saúde às terras ianomâmi e à reserva Raposa Serra do Sol. A empresa também recebeu recursos de outros órgãos federais, como Exército e Fundação Nacional do Índio (Funai).

Uma segunda empresa de Mello, a Cataratas Poços Artesianos, prestou serviços a DSEIs e ao Exército e recebeu R$ 8,6 milhões entre 2014 e 2018. Documentos do inquérito da PF apontam ainda que ele foi sócio em uma terceira empresa, juntamente com um investigado que chegou a ser preso na Operação Tori. A empresa é a Tarp Táxi Aéreo, que recebeu R$ 29 milhões do Ministério da Saúde entre 2016 e 2018. O empreendimento já tem outros sócios.

Mello afirmou que já prestou um depoimento à Justiça. A aeronave apreendida pela PF, por determinação da Justiça Federal, foi vendida, mas sem a conclusão do procedimento da venda junto à Anac, conforme o empresário. Ele afirmou ser “muito parceiro” do investigado pela PF que chegou a ser preso na operação Tori, com uso do aeródromo dele e “arrendamento operacional” de aeronaves. Mas os dois nunca foram “documentalmente sócios”, segundo Mello.

O empresário disse ainda que tem uma empresa de mineração, mas que faz apenas prospecção de minério, em fase de liberação das pesquisas. Mello disse que já teve piloto de sua empresa envolvido em acusação de garimpo ilegal em território ianomâmi. O piloto foi demitido, segundo ele.

O Ministério da Saúde limitou-se a dizer que “a atual gestão da Secretaria Especial de Saúde Indígena tem sido rigorosa no cumprimento de pré-requisitos legais para contratação de serviços e atua com mecanismos de controle para evitar que irregularidades aconteçam”. “As contratações só são efetivadas após apresentação de documentos exigidos pela Lei 8.666”.

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