Sede da Suframa em Boa Vista. Imagem: Google Street View

Uma decisão recentemente proferida pela Câmara Superior do Tribunal de Impostos e Taxas de São Paulo tem potencial de ir parar no Judiciário: ela estabelece que são legais as multas aplicadas por fiscais com relação aos créditos de ICMS oriundos de aquisições de mercadorias produzidas na Zona Franca de Manaus (ZFM), da qual Roraima também faz parte.

Dessa forma, as empresas paulistas que comprarem produtos dessa área industrial não poderão usar os créditos do ICMS, o que deverá reduzir o interesse pela aquisição de produtos da região, avalia a advogada Paloma Rosa, associada do Vieira Rezende Advogados. Diante disso, ela recomenda que as companhias que tiveram créditos rejeitados recorram ao Judiciário, já que há fortes argumentos que sustentam sua legitimidade e constitucionalidade.

O argumento vencedor utilizado na câmara para justificar a decisão foi a de que a concessão de incentivos fiscais só seria possível se houvesse celebração de convênio no âmbito do Conselho Nacional de Política Fazendária (Confaz), de forma a evitar a transferência de ônus econômico para outro estado. No entanto, explica Rosa, a Constituição exime as empresas instaladas na ZFM da necessidade de celebração desse tipo de convênio para que seus benefícios fiscais sejam aplicados.

Abaixo, Rosa detalha como o sistema de créditos do ICMS funciona e de que forma a questão se relaciona com a guerra fiscal entre os estados.


Em linhas gerais, como funciona o sistema de créditos de ICMS? Esses créditos só podem ser reconhecidos pelos estados por meio de acordos no âmbito do Confaz?

Paloma Rosa: O ICMS é um imposto não-cumulativo de competência dos Estados e do Distrito Federal. A não cumulatividade, por sua vez, faz com que o ônus econômico do tributo recaia apenas sobre o valor adicionado do produto/mercadoria envolvido em determinada operação mercantil, sendo a não cumulatividade do ICMS, portanto, representada pelo direito do contribuinte de realizar a compensação do ICMS devido em cada operação relativa à circulação de mercadorias ou prestação de serviços com o montante cobrado nas anteriores.

Nesse sentido, para viabilizar a compensação do ICMS, é assegurado ao contribuinte, como regra, o direito de creditar-se do ICMS anteriormente cobrado em operações de que tenha resultado a entrada de mercadoria no estabelecimento, dentro das normas aplicáveis e regulamentares.

Com base nesse contexto, a concessão de benefícios/incentivos fiscais que permitam a manutenção de créditos de ICMS oriundos das operações interestaduais beneficiadas — ainda que nas operações de saída correspondentes o ICMS não tenha sido recolhido em sua integralidade — acaba por, em virtude da compensação mencionada acima, reduzir o valor do ICMS a recolher na operação de saída subsequente da mercadoria, o que pode vir a afetar e diminuir o montante a ser arrecadado em benefício de outros estados da federação, os quais sequer foram responsáveis ou coniventes com a concessão do benefício fiscal em questão.

Por isso, com o objetivo de, dentre outras razões, evitar que alguns estados acabem arcando com prejuízos financeiros e econômicos advindos de atos de outros estados, é que, como regra geral, foi criada a obrigação de que os benefícios fiscais estaduais apenas sejam concedidos por meio de convênios celebrados e ratificados por decisão unânime dos estados e do Distrito Federal, segundo dispõe a Lei Complementar 24/75.


O que decidiu a Câmara Superior do Tribunal de Impostos e Taxas de São Paulo sobre os créditos de ICMS oriundos de aquisições de mercadorias produzidas na Zona Franca de Manaus?

Paloma Rosa: A Câmara Superior do Tribunal de Impostos e Taxas do Estado de São Paulo (TIT) decidiu, por maioria, pela glosa dos créditos referentes ao ICMS destacados nas notas fiscais e que não foram anteriormente cobrados no estado de origem em razão do benefício fiscal concedido unilateralmente pelo Estado do Amazonas, sem amparo em convênio do (Confaz), no contexto da Zona Franca de Manaus.

Para fundamentar a referida decisão, foi utilizado o argumento principal de que o artigo 15 da Lei Complementar 24/75 deveria ser interpretado à luz da Constituição de 1988. Ou seja, nos termos do artigo 155, § 2º, XII, “g”, da Constituição Federal e das disposições da Lei Complementar 24/75, a concessão de incentivos fiscais só seria possível na nova ordem constitucional mediante a celebração de convênio entre os entes federados, de forma a evitar a transferência do ônus para outro estado.


Por que essa questão está relacionada à guerra fiscal entre os estados? Como ela afeta a Zona Franca de Manaus, os estados e as empresas?

Paloma Rosa: Essa questão esbarra na problemática de guerra fiscal, em razão de o Estado de São Paulo alegar que a concessão, realizada de forma unilateral, de certos benefícios fiscais pelo Estado do Amazonas às empresas sediadas na Zona Franca de Manaus (ZFM) acaba por impactar na arrecadação de ICMS pelo Estado de São Paulo. Isso ocorreria porque o Estado do Amazonas, ao permitir a manutenção de créditos gerados a partir de operação desonerada — os quais poderão ser compensados ao final do mês com débitos dos impostos — provocaria uma potencial redução do montante de receita a ser arrecadada pelo Estado de São Paulo em tais operações.

Em relação aos efeitos da referida decisão, cabe lembrar que a criação da ZFM teve como objetivos precípuos estimular e impulsionar o desenvolvimento socioeconômico dessa área, por meio da viabilização de uma base econômica na Amazônia Ocidental e Amapá que fosse apta a promover a melhor integração produtiva e social dessa região ao País. Portanto, resta claro que a impossibilidade de manutenção dos créditos pelos adquirentes paulistas de produtos advindos da ZFM reduz de forma substancial a atratividade e, por conseguinte, o interesse das empresas sediadas no Estado de São Paulo de adquirirem os produtos advindos desta região, considerando as dificuldades que já são inerentes à consecução de tais operações — geradas, por exemplo, em razão da distância e dificuldade de acesso à ZFM.


Qual é a sua avaliação sobre a decisão? O que se recomenda às empresas que tiveram os seus créditos rejeitados?

Paloma Rosa: Em síntese, entendo que a decisão, apesar de não ter expressamente negado a absorção da regra contida no artigo 15 da Lei Complementar 24/75 pela Constituição Federal de 1988, claramente negou a excepcionalidade conferida para as indústrias instaladas ou que vierem a instalar-se na Zona Franca de Manaus no que tange à obrigação de celebração de convênio pelo Confaz para garantir eficácia aos benefícios fiscais aplicados. Ou seja, novamente foi proferida pelo TIT decisão que ignora e tangencia o status constitucional da ZFM, sob a perspectiva tributária.

Nesse contexto, a recomendação é a de que as empresas que tiveram os seus créditos de ICMS glosados em decorrência de tal entendimento exarado pelo TIT levem a referida discussão para a apreciação do Judiciário estadual. Assim, os robustos argumentos que sustentam a legitimidade e constitucionalidade da manutenção dos créditos de ICMS gerados a partir de operação desempenhada no âmbito da ZFM pelos contribuintes — e que sofreram a glosa em questão — poderão ser avaliados sob uma nova ótica e convicção técnica.

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